terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A Gente e o Tempo




  • Teve um tempo que o meu tempo era imenso. Não faltava tempo para nada. Eu acordava calmamente tomava o meu café, que em geral era café mesmo, com leite, pão e manteiga, acrescido de ovos e outras coisas, de acordo com tempo de minha mãe. Não havia horas programadas para brincar. Todas as horas eram horas de brincadeiras. Essas horas eram longas e permitiam que toda a fantasia se realizasse. Com o passar do tempo meu tempo foi se modificando.


    Aos doze anos quiz entrar em mundos diferentes de gente como Machado de Assis, José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro Alves, Àlvares de Azevedo, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond e tantos outros. As horas eram poucas para descobrir tramas e sentimentos tão diversos. Comecei a precisar da noite para atender às demandas da imaginação desses autores tão queridos.


    Quando decidi que dominaria as prendas domésticas sobrava-me pouco tempo, mas mesmo assim decidi que aprenderia as delícias ensinadas por Irmã Lia, a italiana enérgica e entusiasmada que queria que as pessoas comessem melhor. Fui a todas as aulas de culinária e até aprendi fazer tudo que fosse rápido prático e saboroso. Depois encantei-me pelos bordados e mais um tempo para encaixar foi necessário. Fiz curso de pintura em tecido e descobri que simples quiabos cortados e pintados podem se transformar em delicadas flores coloridas no tecido . Comprei revistas manequim e comecei a cortar papéis e tecidos para transformar em roupas criativas. Fiz curso de cartazista e de primeiros socorros. Tudo com hora marcada e tempo curto, mas sempre mantive o espaço para alimentar a minha fantasia com a literatura.


    Paralelo a isso, por toda a adolescência tive compromissos sérios: primeiro com a escola, na qual fiz questão de cumprir suas tarefas rigorosamente, depois com o trabalho, pois aos quatorze anos comecei trabalhar fora de casa por uns simbólicos trocados que davam-me a ilusão de alguma autonomia para gastar.


    Depois veio a idade da faculdade com tantas outras necessidades e o tempo mais uma vez se dividiu e multiplicou: para fazer a militância, para o trabalho (mais uma vez), para as viagens, para cultivar amizades verdadeiras e o tempo do transcendente/místico. Tive o tempo do amor e da flor.


    Deste então cultivo a sensação que o tempo é escasso e precioso, mas pode ser dividido e multiplicado para dar ESPAÇO àquilo que realmente é imprescindível naquele MOMENTO. ATÉ HOJE NÃO FALTA TEMPO PARA A ESCRITURA E PARA A LITERATURA. E sou feliz assim.